Prestes a completar seis anos no próximo dia 25, a tragédia em Brumadinho ainda deixa marcas na região. Uma pesquisa de pós-doutorado, realizada pela doutora em Geociências/Geoquímica Ambiental da Universidade Federal Fluminense (UFF), Andressa Cristhy Buch, analisou os impactos ambientais causados por essa catástrofe, considerada um dos maiores desastres ambientais da história do Brasil.
O objetivo da pesquisa é avaliar o impacto que os rejeitos da barragem causaram em solos ripários atingidos, através de estudos na fauna do solo. As avaliações ecotoxicológicas foram realizadas para analisar as alterações genéticas, reprodutivas, comportamentais, fisiológicas e citológicas na fauna. Além disso, foi possível indicar a perda de nichos ecológicos, funcionais e da biodiversidade. No total, o levantamento foi feito em oito municípios atingidos pela lama minerária: Brumadinho, Mário Campos, Betim, São Joaquim de Bicas, Florestal, São José da Varginha, Paraopeba e Pompeu.
Apesar de ser considerada uma das maiores tragédias humanitárias da história brasileira, poucos estudos detalharam os impactos ambientais causados pelos metais liberados no solo dos municípios atingidos. É possível que a lama da mineração tenha afetado ou extinguido espécies e funções ecossistêmicas que organismos da fauna edáfica – conjunto de animais que vivem no solo – prestavam.
De acordo com Buch, as avaliações do solo envolveram diferentes parâmetros para conseguir um diagnóstico mais preciso. “Uma das formas é avaliar os organismos presentes nos solos afetados (in situ-no local), fazendo um diagnóstico do seu estado. O processo é comparável a um exame de sangue, em que diferentes parâmetros são analisados para obter um diagnóstico amplo. Fizemos o mesmo, mas de uma forma bastante abrangente, avaliamos parâmetros físicos, químicos e biológicos além das componentes extrínsecas ambientais (umidade, temperatura, etc.), todas as informações são complementares. Assim podemos ter um diagnóstico mais preciso da parte geológica/mineralógica, pedológica, geoquímica, ecológica e ecotoxicológica”.
Baseado em dados retirados das análises, o estudo revelou mudanças na qualidade e propriedades do solo após o contato com os rejeitos. Além disso, os solos das áreas afetadas se tornaram mais ácidos, mais densos e com alto grau de compactação, o que impõe uma limitação no desenvolvimento de raízes e, consequentemente, más condições para o progresso biológico da flora, dificultando, por exemplo, a passagem de ar e água favorecidos pelo enraizamento.
Riscos à saúde
Nas áreas estudadas, o enriquecimento dos índices de cádmio, arsênio, cobre, chumbo e níquel presentes em solos ripários foi de 2 a 40 vezes maior do que os níveis encontrados em períodos anteriores ao rompimento. Além disso, os índices de saúde humana e dados geoquímicos reforçam evidências de alto nível de poluição. Os achados indicam que há um alto risco ecológico que aumenta as probabilidades de desenvolvimento de doenças cancerígenas e não cancerígenas na população dos municípios atingidos. Em todas as áreas afetadas pelos rejeitos da barragem, os valores de metais excedem as medidas estabelecidas pelas diretrizes brasileiras para qualidade de solo em pelo menos dois elementos químicos.
“Nossas avaliações biológicas foram além do que propomos inicialmente ao projeto. Identificamos a necessidade de investigar os danos genéticos causados pelos metais pesados, que comprometem diretamente a saúde humana. Prospectamos através da empregabilidade de índices a propensão para grupos de adultos e crianças para desenvolver doenças cancerígenas e não cancerígenas. Nossos resultados evidenciaram que, ao longo do tempo, principalmente o grupo das crianças são os mais afetados e estão significativamente mais propensas para o desenvolvimento de câncer e demais doenças a ele associado, como distúrbios alimentares, danos respiratórios, além de outras nuances associativas como agravantes psicológicos em decorrência do abalo sofrido pela comunidade”, explica a pesquisadora.
Segundo Buch, a pesquisa pode orientar as normas de regulamentação do setor e apoiar medidas de recuperação dos ecossistemas terrestres afetados pelo rompimento da barragem. “O estudo permite delimitar quais são as áreas mais afetadas que necessitam de uma maior ação dos órgãos responsáveis a fim de buscar a mitigação e a recuperação ambiental e ecológica. Em relação à produção agrícola local, algumas áreas devem ser impedidas de desenvolvimento de pastagem e produção de alimentos, os quais, se consumidos direta ou indiretamente pelos animais ou humanos, podem trazer consequências irreversíveis à saúde”.
Histórico de desastres demanda maior fiscalização
A ruptura da Mina de Córrego do Feijão despejou cerca de 12 milhões de metros cúbicos de rejeitos, causando um rastro de destruição por onde passou. A lama dos resíduos percorreu dez quilômetros (km) até chegar na bacia do Rio Paraopeba, uma das principais afluentes do Rio São Francisco – um dos principais cursos de água da América do Sul. Os rejeitos viajaram por mais de 300 km, afetando 28 municípios no total. Nos ecossistemas terrestres, é estimado que cerca de 1,8 milhão de hectares foram impactados diretamente pelo rompimento da barragem.
Quatro anos antes, em 2015, um evento semelhante ocorreu na cidade de Mariana, também em Minas Gerais, com o rompimento da barragem do Fundão, utilizada para armazenar os rejeitos de minério de ferro, que liberou cerca de 62 milhões de metros cúbicos de lama tóxica na região e resultou na morte de 19 pessoas, além de contaminar rios próximos.
Apesar da recorrência, nenhum responsável pela tragédia foi punido criminalmente. Para reparar os danos causados pelo rompimento da barragem em Brumadinho, o Governo de Minas Gerais, a Defensoria Pública do estado e o Ministério Público estadual e Federal fecharam um acordo de reparação com a empresa Vale no valor de aproximadamente R$ 37 bilhões de reais. Para a pesquisadora, a legislação brasileira é bem estruturada, porém, a fiscalização e o monitoramento deveriam ser mais constantes.
“Nossa legislação é muito bem fundamentada e escrita e, se fosse devidamente empregada, traria uma enorme segurança de proteção ambiental-ecológica e significativamente à saúde humana. As agências fiscalizadoras devem obrigar efetivamente as empresas responsáveis por tragédias ambientais como as ocorrida em 2015 e 2019 e tantas outras de menores proporções, mas que, ao longo do tempo, impactam em níveis alarmantes, a monitorarem as barragens e instalações de mineração, bem como todas as atividades que envolvem seu beneficiamento. As preocupações devem estar seriamente consolidadas para a fauna, flora e a vida humana”.
Após a tragédia em 2019, o número de barragens que usam o método de alteamento a montante no Brasil diminuiu 29,7%, segundo um levantamento realizado pelo Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram), que representa as principais empresas mineradoras do país. Até fevereiro do ano do rompimento, o país possuía 74 estruturas desse tipo registradas; já em 2024 esse número caiu para 52. Atualmente, o país possui 126 barragens de mineração instáveis devido ao excesso de sua capacidade total, tornando-as vulneráveis a falhas nos próximos anos.
Parcerias interinstitucionais reforçam o projeto
O estudo faz parte de um projeto liderado pelo professor do Programa de Pós-graduação em Geociências/Geoquímica da UFF, Emmanoel Vieira da Silva Filho. Além disso, envolve parcerias com a Universidade de Nevada, dos Estados Unidos, Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais – Serviço Geológico do Brasil (CPRM), Embrapa, Centro Paranaense de Referência em Agroecologia (CPRA) e outras instituições de pesquisa.
“Agregar esses inúmeros profissionais é parte essencial para o desenvolvimento desses estudos, desde os ajudantes no campo, técnicos de laboratório a especialistas conceituados em suas áreas. Isso certifica a pesquisa, somam-se conhecimentos e assim dissipa-se o melhor entendimento para a comunidade científica e a sociedade em geral”, pontua a doutora.
O projeto encontra-se em fase final de levantamento de dados. No momento, ocorre a avaliação de respostas de bioacumulações de metais em besouros, piolhos-de-cobra e minhocas. Nos próximos meses, está previsto o fracionamento isotópico na Universidade de Nevada. A conclusão está prevista para o segundo semestre de 2025.
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Andressa Cristhy Buch é Doutora em Geociências/Geoquímica Ambiental pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Formada em Agronomia pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Mestre em Ciências do Solo pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Pesquisadora do programa de pós-doc da UFF/FAPERJ em Geociências/Geoquímica Ambiental e coordenadora da Comissão de Estudos Especiais de Análises Ecotoxicológicas Aquática e Terrestre (CEE-106) da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT).